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Ari Luiz da Costa: As histórias e sabedoria do pescador de Zacarias

Nem o dia nublado impediu o visual exuberante da Lagoa de Zacarias, vista do Bar do Pescador, para a entrevista com um ilustre e conhecido morador da região, seu Ari.

Nossa equipe chegou um pouco mais cedo do que o combinado e seu Ari, de 87 anos, pescador e patriarca de uma grande família já organizava as mesas do bar com um pique de se admirar. Sentamo-nos de frente para a lagoa e começamos nosso bate papo.

Ari Luiz da Costa, filho de Agrípio Luiz da Costa, nasceu em Maricá e aprendeu com seu pai o ofício que sustenta sua família há gerações: a pesca. Conta com orgulho que foi dalí que seu pai criou seus 9 filhos, “com o dinheiro da lagoa, pescando”. Para ele, a lagoa representa muito mais do que beleza, refresco e tranquilidade. É possível perceber gratidão na sua fala e brilho em seus olhos quando se refere a ela.  Porém, lembra que já houve épocas melhores; segundo ele, hoje faltam peixes.

Durante a conversa, ele nos conta dos bons tempos de fartura, lembrando fatos interessantes da história de Maricá. “O dono da empresa Nossa Senhora do Amparo, carregava os camarões e peixes da lagoa, antes de ter a empresa. Possuía 3 caminhões e era o atravessador, entre os pescadores e o comércio. Ele deixava um caminhão no Boqueirão, fazia o frete do pescado, de São José do Imbassaí até Guaratiba. O caminhão carregava os camarões de Zacarias, Barra de Maricá, Jacaroá e Araçatiba” Com uma memória invejável seu Ari ainda lembra o nome de dois dos motoristas dos caminhões, Santana e Pernambuco.

Para ele a diminuição no número de camarões tem um motivo. “O canal de Ponta Negra acabou com os camarões da lagoa, porque quando foi aberto de forma permanente, a lagoa não encheu mais o suficiente para dar camarão. Era muita fartura na época, a lagoa era uma indústria, hoje está fraco”, diz.

Perguntado sobre uma canoa famosa por ter 100 anos, seu Ari confirma a história. “Essa canoa tem 100 anos mesmo, sou o terceiro dono e hoje está com meu filho. Comprei de um coroa que tinha, na época, mais ou menos a mesma idade que tenho hoje, se chamava Gilca Viana. Ele pediu para eu cuidar bem que duraria e a canoa está aí comigo há 30 anos! É feita de uma madeira só. Tinha um rapaz, Rodrigo, que fazia as canoas na mata aqui em Maricá. Não cheguei a conhecer, mas meu pai me contava”, relembra.

O pescador, que é pai de 9 filhos, possui 6 enteados e 9 bisnetos, conseguiu aproveitar bastante o momento de fartura. Ele chegava a carregar duas caminhonetes de peixe por dia, de tipos variados: robalo, tainha, acará, jacaraúna e o mais abundante da época, hoje em dia escasso, bagre. “Era tanto bagre que não tinha mais onde vender, eram grandes”, conta orgulhoso.

Com essa ótima fase de pescaria conseguiu ter um bom dinheiro e sustentar toda a família, assim como fez seu pai. Alguns de seus filhos mantiveram a pesca, e todos foram incentivados a estudar. Seu filho Silvio, conhecido como Siri acompanhou o pai na entrevista e ressaltou esse incentivo dado por ele, inclusive contou dos netos que conseguiram se formar em universidades graças ao trabalho com a pescaria. O Nika, também filho de seu Ari é quem comanda o tranquilo e agradável Bar do Pescador, localizado em Zacarias.

Embora esteja lúcido e bem de saúde, o patriarca lamenta que por causa da idade não tenha mais o mesmo vigor da juventude, mas declara que a parte boa são as histórias para contar. Quando jovem fazia muito sucesso e não dispensava uma boa farra! Forrozeiro, nos contou que esteve presente na inauguração do famoso Forró do Manhoso, local onde fez muitas amizades e se divertiu bastante.

Seu Ari lembra de um momento de Maricá que nem passa pela cabeça dos mais jovens, a época em que a ponte do Boqueirão não existia. E explica como funcionava. “Um morador chamado Didico trabalhava atravessando as pessoas de canoa, em um trecho de mais ou menos 15 metros de distância e 5 metros de profundidade. A travessia era realizada o dia todo, até umas 20h. Quem chegasse depois desse horário precisava aguardar o dia seguinte para ser atravessado”. Seu Ari lembra de ter dormido pelo menos umas duas noites aguardando para atravessar quando perdeu a hora. Outro fato interessante do cotidiano era o esquema feito para a padaria do João Bezerra. “O padeiro atravessava com os pães na canoa e colocava os burros para atravessarem nadando. Na outra margem batia no lombo dos animais para tirar o excesso de água, prendia as cestas e ia vender os pães.” Para vender os peixes, ele atracava a canoa e ia a pé empurrando um carrinho até o mercado que existia em frente à prefeitura, isso lá pela década de 1960”.

Ari também foi militar por um pequeno período, esteve no quartel por 9 meses. Diz ter gostado da experiência, por conta das coisas que aprendeu e da disciplina que adquiriu, uma passagem ficou marcada em sua memória: um general,  Veloso, morava em Araçatiba e certa vez o viu passando com a túnica pendurada no braço, já que ele tirava por fazer o trajeto a pé. Ele o chamou e o repreendeu de forma firme por não estar trajando o uniforme da maneira correta. “Esse general pediu minha identidade e disse que ia mandar para o quartel para que tomassem providência. Hoje em dia não tem mais isso porque é até perigoso sair uniformizado”, comenta.

Falando em disciplina, ele conta com muito orgulho e gratidão sobre a educação que recebeu de sua família e transmitiu para seus filhos e netos. “Minha bisavó morreu com 87 anos, trabalhava na fazenda em São José fazendo esteira de taboa e ajudava muito meu avô trabalhando com artesanato.” O trabalho duro e a honestidade sempre foram pilares da família. “Nunca vou me esquecer disso, uma vez cheguei em casa com uma bola de camurça, na época tinha 10/12 anos, comecei a brincar, meu pai viu e perguntou de quem era aquela bola. “ Você não tem bola assim, joga com bola de meia, arranjou essa bola onde? E respondi que o vizinho tinha me dado. Papai passou a mão na bola e me levou lá no vizinho para perguntar. O menino respondeu que tinha duas bolas e me deu uma. Fiquei com essa lição e criei os meus filhos assim. Saía para pescar, deixava as crianças pequenas em casa, porque nasceram uma atrás da outra, quando eu chegava e encontrava alguma coisa diferente já ia saber”

Outra lição muito importante deixada por seu pai era que ele deveria respeitar os mais velhos e a natureza. Essa preocupação com a educação fez com que seus herdeiros crescessem com “cabeça boa” e sem envolvimento com nada de errado, sendo motivo de muita satisfação para o pescador.

Hoje, seu Ari ainda pesca, mas como distração para “distrair a cabeça”, como ele mesmo diz. E é nesse lugar, as margens da lagoa de Zacarias que ele ainda vive, cercado do amor de sua família e da bela natureza que lhe proporciona uma vida feliz e repleta de sabedoria e boas histórias.

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