Debate III – Neoliberalismo como razão por Marcos de Dios Coelho
A) O que seria esse ordenamento do Estado para Dardot e Laval?
O liberalismo clássico defendia que o mercado não sofresse qualquer restrição e ingerência do Estado, que deveria se ater a garantir, pela ordem jurídica, o direito à propriedade privada, o livre mercado, a livre expressão e os direitos civis. Esse modelo entrou em crise com às mudanças do capitalismo que no seu desenvolvimento econômico gerou uma grande concentração de renda, a constituição de monopólios e oligopólios industriais no curso do avanço tecnológico das indústrias e da velocidade das transações financeiras. As nações com maior acumulação de capital, fruto do domínio colonial e a exploração das suas riquezas, passaram a disputar os mercados mundiais, o que produziu a Primeira Guerra Mundial e a profunda crise do modelo liberal.
Para resolver esse problema, foi preciso repensar o modelo de Estado não interventor na economia, de modo a criar um mecanismo para equilibrar a voracidade do mercado livre. Mas, era necessário garantir uma intervenção do Estado que possibilitasse uma garantia de renda mínima para a população mais empobrecida e uma política econômica que estimulasse um crescimento com maior investimento público, gerador de emprego e mercado consumidor mais amplo.
Esse modelo ficou conceituado como liberalismo social, que defende um Estado mais interventor para garantir a existência do capitalismo em transformação. O neoliberalismo critica esse modelo por defender uma intervenção do Estado no livre comércio, que só pode existir sem regulamentação, ao contrário, impossibilita a criatividade, produtividade e eficiência que os indivíduos possuem.
O novo modelo de Estado defendido pelos neoliberais para garantir o capitalismo se dá pelo ordenamento do Estado pelo mercado, transformando a ação estatal e seu funcionamento aos moldes de uma empresa capitalista, colocando em postos chaves do aparelho de Estado gestores dessas empresas que vão imprimir costumes e hábitos no funcionamento da máquina pública. Um aspecto importante é o processo de subjetivação da ideologia do mercado em todas as relações humanas, que se dão através de todas as instituições do Estado e privadas. O Estado nesse modelo é forte para garantir as leis do mercado e, se necessário, o uso da força para manter o novo ordenamento jurídico e os interesses do grande capital.
B) Teríamos exemplos no Brasil dessa defesa neoliberal?
A partir do Governo Collor, vemos a construção desse modelo com a desqualificação do servidor público e sua desconstrução pela grande mídia com propaganda massiva e contínua contra o funcionamento da máquina pública, o que possibilitara a defesa das privatizações das empresas estatais. Os governos de Fernando Henrique Cardoso dão continuidade com privatizações e regulamentações para os servidores públicos com estruturas privadas na avaliação da máquina pública. Esse modelo vai ter nos governos Lula, principalmente no segundo mandato, e no primeiro governo Dilma, uma mudança com a revalorização do serviço público, garantias trabalhistas e a não privatização. O Governo Dilma no seu primeiro mandato enfrentou o capital financeiro baixando juros e o monopólio do setor elétrico. Após o golpe de 2016, o governo Temer retomou com força o modelo neoliberal com o teto de gastos e a reforma trabalhista, que flexibiliza as relações de trabalho. O atual governo brasileiro mantém e aprofunda essa política com a reforma da previdência social, a desqualificação do funcionário público e a preparação ideológica para entrega do patrimônio público para as grandes corporações internacionais.
Analisando os últimos doze anos, o modelo neoliberal teve no Brasil, além dos Governos Lula e Dilma, municípios que adotaram modelos alternativos ao neoliberalismo, como a experiência da cidade de Maricá, localizada na região metropolitana do estado do Rio de Janeiro.
Maricá é um município marcado geograficamente por um vasto litoral, cachoeiras, lagoas e rios. Sua vida econômica é centrada no terceiro setor, que é de serviços. Esta sucinta introdução é de suma importância para localizar a cidade do ponto de vista espacial e econômico.
No início do século XXI, mais objetivamente em 2008, a população fez uma escolha por um projeto econômico e político defensor de um Estado mais interventor e inclusivo. O governo, eleito pelo Partido dos Trabalhadores, começa investindo os parcos recursos em programas sociais e de garantia de direitos fundamentais, mesmo com a crise administrativa e econômica deixada pela antiga administração. Durante o primeiro governo foi montada a estrutura para implementar as políticas de transferência de renda e de mobilidade urbana com tarifa zero e criação de programa de habitação popular, além de melhoria de renda do servidor público – beneficiando a criação de empregos formais –, investimento em creches, aumento salarial para professores e financiamento da entrada de estudante de baixa renda em universidades.
Toda essa política de investimento e inclusão social possibilitou um crescimento econômico sustentável. A criação de uma moeda social gerou maior circulação de recursos e desenvolvimento do comércio. Com isso, podemos constatar uma política de Estado – que regula o mercado e investe em políticas distributivas – marcada pela construção de uma alternativa ao modelo neoliberal. Logo, o que essa experiência de Maricá nos mostra é a possibilidade de outro modelo de Estado.