Preconceito Linguístico: uma reflexão sobre o falar certo ou errado

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É possível apostar que em algum momento da vida você ouviu alguém zombar ou foi zombado por falar ou escrever de forma considerada errada. 

– Só o “framengo” é campeão mundial, “oto” patamar!

– Essa mulambada é muito burra! Não sabe nem falar!

E se alguém te disser que na verdade, “framengo” e “oto” não são erros, mas variáveis da língua portuguesa causadas por diversos fatores, sendo o principal deles um déficit de ensino?

Há também variáveis regionais, como na música “Asa Branca”, de Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira: “Quando o verde dos teus oios / Se espaiar na prantação / Eu te asseguro não chore não, viu / Que eu vortarei, viu / Meu coração”. A letra da música apesar de apresentar palavras escritas de forma diferente da norma culta, valoriza a identidade cultural e linguística do seu povo. 

De acordo com a Professora do Pré – Enem Municipal de Maricá, Anne Gabrielle Muniz, que é formada em Letras/Português e suas literaturas pela UECE e mestranda em Análise do Discurso pela UFF, “A questão do preconceito linguístico está relacionada à discriminação de indivíduos baseando-se – única e exclusivamente – em um padrão linguístico que confere prestígio. É interessante observar que essa prática/marginalização tem como alvos as pessoas de menor poder aquisitivo/menor instrução ou outros grupos sociais inferiorizados; como se a língua usada de maneira culta fosse a única forma a se conferir status. Essa atitude, isto é, de discriminar pessoas pela sua fala é extremamente mesquinha como já apontam os estudos de Marcos Bagno e Sírio Possenti, por exemplo. A linguagem é afetada por fatores históricos, sociais, geográficos e estilísticos e todas as falas são validadas, desde que se preserve a intenção inicial: a comunicação.”

Em 2011, o livro “Por uma vida melhor” escrito pela professora Heloísa Ramos, adotado pelo Ministério da Educação (MEC) e distribuído pelo Programa Nacional do Livro Didático para a Educação de Jovens e Adultos (PNLD-EJA), gerou burburinho ao afirmar que não existe certo e errado na língua portuguesa, mas sim uso adequado e inadequado de acordo com a circunstância em que é empregada.

Ao apresentar exemplos como – “’Os livro ilustrado mais interessante estão emprestado’. Você pode estar se perguntando: ‘Mas eu posso falar ‘os livro?’.’ Claro que pode. Mas fique atento porque, dependendo da situação, você corre o risco de ser vítima de preconceito linguístico. Muita gente diz o que se deve e o que não se deve falar e escrever, tomando as regras estabelecidas para a norma culta como padrão de correção de todas as formas linguísticas. O falante, portanto, tem de ser capaz de usar a variante adequada da língua para cada ocasião” -, o livro levantou o debate sobre as variações linguísticas ao passo em que buscou aproximação com seu público alvo, alunos do EJA. Isto é, mostrou para esses alunos, que por não serem escolarizados até então eram considerados à margem da sociedade, que sua maneira de falar cumpre o propósito de comunicar então não deve ser considerada errada linguisticamente, mas sim inadequada em determinadas situações. A norma culta se refere ao conjunto de padrões linguísticos usados pela camada mais escolarizada da população e é adotada em circunstâncias formais, meio acadêmico, vestibular, meio jurídico, entre outras.

Alguns veículos da mídia e intelectuais descontextualizaram trechos da publicação para afirmar que a autora estaria “desensinando” a língua portuguesa e “estimulando erros de português”, quando na verdade, o objetivo era justamente o contrário: refletir sobre as  formas de fala e de escrita, que em sua maioria ocorrem devido ao não acesso à educação, e ressaltar a importância do aprendizado da norma culta da língua portuguesa.

A ação de julgar negativamente, discriminar e humilhar as pessoas que se comunicam, falando ou escrevendo, de forma diferente da norma culta é considerada Preconceito Linguístico. E este preconceito está ligado principalmente à questão socioeconômica, já que membros das classes mais pobres têm menos acesso à uma educação formal que permita domínio de variedades linguísticas formais e de maior prestígio, como já afirmado acima pela Professora Gabrielle. Essas pessoas acabam sendo excluídas de posições melhores no mercado de trabalho ou têm sua capacidade intelectual questionada, como foi o caso do Presidente Lula, que foi atacado por seus opositores devido à sua forma de falar. Para os linguistas, a partir do momento em que a língua possibilita o entendimento de uma mensagem, sua função foi concluída com sucesso. Vale ressaltar que a língua é algo vivo, que se modifica todos dias, e toda a forma de expressão é uma expressão social, não se pode condenar nem rotular negativamente alguém que por uma série de fatores não tem conhecimento da norma culta.

Para a Professora Gabrielle, “é muito mais importante que saibamos utilizar a língua portuguesa de forma adequada do que de forma “correta”. Afinal, o correto é aquele que é entendível, compreensível, inteligível. Pouco importa se um falante domina as palavras mais rebuscadas se ele não se faz entender para seu interlocutor, não é mesmo?! Vim morar no Rio de Janeiro no finalzinho de 2015. Em 2016, já comecei a trabalhar com o público carioca, niteroiense, itaboraiense e maricaense. Em cada uma dessas cidades eu percebi particularidades linguísticas e é justamente isso que torna a língua portuguesa tão incrivelmente rica: o falante a utilizando.”

Além da questão socioeconômica, fatores regionais e culturais influenciam no preconceito linguístico. É comum vermos zoações com sotaques diferentes, pessoas da região sudeste achando risível a forma de falar da região nordeste ou considerando os nordestinos menores intelectualmente, por exemplo. Sem contar o fato de parte da elite intelectual brasileira considerar menor culturas de massa e suas variedades linguísticas, como no caso do funk e do rap. A língua acaba por ser usada como ferramenta de dominação e manutenção da divisão de classes no Brasil.

Qual seria o caminho para o fim do preconceito linguístico?

Como a maioria dos preconceitos, o linguístico está enraizado na nossa sociedade e para combatê-lo é necessário primeiramente falar sobre o assunto. A escola e seus professores devem fazer essa reflexão e passar para os alunos na ponta. Muitas vezes os debates ocorrem nos meios acadêmicos e no campo das ideias, mas para que o problema seja solucionado é preciso que os alunos tenham noção sobre as variáveis linguísticas, o respeito pelo diferente, o entendimento do que gera essas variáveis e a ciência sobre a adequação.

A forma como falamos dentro de casa, com os nossos amigos, em situações informais é diferente de como falamos (ou escrevemos, ainda mais com o avanço da tecnologia e das mensagens instantâneas) numa entrevista de emprego e em um trabalho acadêmico, onde utilizamos linguagem formal. 

Devemos entender as variações, respeitar as circunstâncias que as geraram e nos esforçar para que toda a população tenha acesso a um nível educacional que a possibilite dominar as diferentes formas e saber o momento de empregar cada uma delas.

“Acredito que atenuaríamos essa perspectiva elitista em relação à língua, se fôssemos, desde a alfabetização, apresentados ao conceito variação linguística. Isto é, de que a língua varia e de que toda formulação da língua é um fenômeno. Se fôssemos familiarizados a esse conceito, certamente haveria menos preconceito linguístico e, de quebra, fortaleceríamos a nossa língua que há muito já deixou de ser portuguesa e passou a ser brasileira; tamanha a sua riqueza e grandeza”, finaliza a professora Anne Gabrielle.

Dialeto Maricaense

É possível perceber em Maricá expressões características. Quem nunca ouviu uma pessoa mais velha da cidade dizer que precisa “ir à vila”? Pois é, num passado não tão distante essa era a forma que as pessoas usavam quando se referiam ao centro de Maricá. Temos a “oba” seguida de uma indicação de confirmação com cabeça para cumprimentar os conhecidos na rua e como não citar o “é o que, né?” ou sua outra versão “é o que já, né?”? Expressão utilizada pelos maricaenses para indicar incredulidade. Muitos populares utilizam “vem cá pra eu te amostrar” e para quem não sabe: a palavra amostrar, embora seja menos socialmente aceita, está correta e aparece nos dicionários como sinônimo do verbo mostrar. Para indicar reprovação temos “ê ê”, e por que falar “é ruim, hein?!” se podemos falar “é rode!”?

Por: Mariana Mello

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