Arte da semente: a habilidade de se transformar alimentos em obra de arte

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A possibilidade de transformar sementes em obras de arte é uma coisa que desperta encantamento. Atualmente, 70% da alimentação que é consumida na mesa do povo brasileiro vem da agricultura familiar. Talvez por isso, a utilização de sementes na construção de quadros, mandalas e outras obras tenha crescido bastante nos últimos tempos.

O trabalho, passa por uma transformação permanente, um processo que vem se aprimorando cada vez mais, tanto em termos técnicos quanto relacionado à reprodução de sementes. Mas é importante ressaltar que, cada um tem um conceito para trabalhar com as sementes e transmitir a mensagem que deseja.

Um trabalho abstrato

Trabalho do Estudante João Porto Porto

Estudante da Escola de Artes Visuais do Parque Lage, João Porto, 22 anos, trabalha com a semente, mas sua arte se identifica num campo mais abstrato. Morador do Centro, o universitário estuda arte contemporânea desde os 18 anos e realiza, como componente de sua pesquisa artística, um trabalho de composição pictórica e formal a partir de alimentos não perecíveis: composições com grãos embalados a vácuo.

Com referências inspiradas em ‘’Color Field’s’’, João elabora uma vertente de pintura expandida, utilizando diversos alimentos não perecíveis a fim de compor cor, forma e textura.

Usar alimento como materialidade para arte, de certa forma, faz um paralelo entre o momento de fome e a insegurança alimentar que o Brasil está passando. Nesse contexto, a especulação no preço da arte, traça um imaginário futurista de equiparar comida à um artigo de luxo.

Essa simbologia representa o tema debatido na jornada de agroecologia dos movimentos sociais, organizado anualmente pelo Movimento Sem Terra (MST) na Via Campesina, no estado do Paraná. A araucária, como símbolo da agroecologia é representada como proposta de agricultura sustentável para o campo, bem como um resgate das formas de agricultura que foram se perdendo ao longo do tempo. A gralha azul (ave) é ajudante natural do processo de plantio da araucária e indica o semear como exemplo das relações com a natureza. Já o milho é símbolo da alimentação dos povos originários em nível mundial.

MST e o projeto Germinando artes

O MST luta por uma terra livre de latifúndios, sem transgênicos e agrotóxicos, pela construção de um projeto popular e soberano para a agricultura. Cada quadro construído por representantes do movimento, traz apontamentos críticos relacionados ao tema maior que são as sementes.

As sementes que circularam na colagem dos trabalhos realizados pelo grupo somam aproximadamente 180 variedades. A maior parte, produzida pelos camponeses que fazem parte do território onde os 38 quadros – com aproximadamente dois a três metros quadrados cada – foram construídos, de forma simples, coletiva, figurativa e com um contexto político acessível para todos.

Professora de artes, Maritania Andretta

Professora de artes, Maritania Andretta, 46 anos, faz parte da brigada Joaquín Piñero em Maricá, cidade que mora desde 2020. Veio de Santa Catarina. Em 28/08, completa 10 anos à frente do projeto “Germinando arte” que, sem fins lucrativos, surgiu em sua vida durante um intercâmbio, no México.

“Dentro desse trabalho de artes, os temas acabaram sendo a soberania alimentar e a agroecologia, que são temas que o movimento já discutia pelo setor de produção. Então, minha arte é política. Eu trago presente a vida e a produção do campo, a luta pela resistência camponesa. Vários elementos dentro disso, e que se misturam”, explica.

A maior parte das sementes utilizada por ela é do MST, orgânica, produzida de uma forma que permite que a obra de arte tenha durabilidade. Uma semente que não usa agrotóxico, para a arte da semente é essencial, porque se ela não é orgânica se deteriora muito mais fácil. “Quando é orgânica ela é mais dura, então, mesmo sem a resina, ela acaba tendo um tempo de duração maior. As sementes que a gente tomou o cuidado de trazer são dos assentamentos, então os quadros duram de oito à nove anos. Já os quadros feitos num contexto mais urbano e que usaram sementes das casas de cereais duram apenas de três a quatro anos e se deterioram”, destaca Maritania.

Por isso, a importância da semente crioula (orgânica) para os quadros, assim como para a alimentação. É necessário, no entanto, separar qual semente é ideal para o consumo, qual é para produção, qual tem que ser mais reproduzida, qual pode ser destinada aos animais e qual deve ser destinada à adubação verde.

Então, na oficina com a semente “Germinando arte” é apresentado todo esse contexto, uma forma de recuperar a cultura, já que há 100 anos atrás o ser humano se alimentava de mais de 300 variedades de sementes. Infelizmente, hoje temos em torno de cinco ou seis variedade apenas, que são nossas sementes de consumo. E ainda assim, elas já não estão mais sendo produzidas de forma orgânica, são modificadas. Assim, quando se fala da semente crioula, se reafirma as raízes camponesas do Brasil.

Mas a arte da semente acabou saindo do contexto do campo e indo para a cidade, por isso permite às pessoas uma possibilidade de renda financeira. Essa técnica não é difícil, mas é minuciosa e tem a questão do muralismo, ou seja, as pessoas aprendem, mas não conseguem incorporar a arte coletiva.

Como surgiu a arte da semente

“O surgimento dessa arte já tem quase 30 anos. Eu concluí minha pesquisa de mestrado em 2016 e acabei fazendo um registro histórico para a comunidade de Tepoztlan que foi onde eu aprendi em 2012 a arte da semente, porque eles não tinham nada escrito sobre isso. Para o MST, fiz uma dissertação sobre a soberania alimentar e uma metodologia própria que nós encontramos para trabalhar essa arte política como um veículo de informação para nós, internamente no MST. Porém a coisa se expandiu, foi para as universidades, escolas e movimentos sociais”, lembrou a professora de artes, que aprimorou a técnica e desenvolveu um método de ensino para o contexto itinerante.

A confecção de quadros, mandalas e afins

Leva-se de oito à dez dias para se concluir um quadro. Atualmente, os trabalhos também utilizam resina epóxi, que dá o acabamento, permitindo uma durabilidade maior às obras. Afinal, as sementes têm um ciclo.

Nesse trabalho, todos os artistas assinam e a obra de arte vira patrimônio da comunidade onde é feita. E todos os quadros, levam a assinatura social do México: uma flor, que é desenhada como respeito à comunidade que a criou.

Ainda há intenção da confecção de uma cartilha, que explique o passo a passo, para que as pessoas possam ler e saber como fazer a arte da semente por todo o Brasil, porque ela já se espalhou. Apesar disso, muitos dos artistas que aprenderam as técnicas de trabalho, fizeram adaptações. Afinal, é muito mais fácil produzir uma mandala, com 50 cm de diâmetro, de forma individual do que reunir pessoas para trabalhar em grupo. E muito mais fácil para vender também, já que o custo é muito menor.

Além disso, leva-se muitos anos para que uma semente seja reproduzida, então fazer com que ela seja reproduzida e entre na alimentação das pessoas é um processo que leva mais de cinco anos para que possamos dizer que tal semente foi recuperada.

“Imagina o valor agregado de uma semente que leva em torno de oito meses para ficar pronta, entre ser plantada e colhida. É uma fonte de renda. Então, se você fizer a arte da semente, vai agregar valor. Há artes que utilizam, por exemplo, sementes de seis estado. Então é uma diversidade de culturas. Para a construção de um trabalho em Maricá, por exemplo, será necessário realizarmos uma pesquisa sobre as sementes que existiam aqui”, esclarece Maritania.

Mas o movimento nunca teve um projeto de apoio que bancasse esse ensinamento. A partir do momento que surgir algum interessado na arte da semente, vai se tornar o patrocinador de um projeto muito importante, único, e que é construído de forma coletiva no Brasil.

Por- Elaine Nunes

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