Por: Andre Baiseredo
Não é de hoje que a sucessão patrimonial é um pesadelo para quase todos os herdeiros e a alegria do Fisco, o que acaba resultando em uma verdadeira avalanche de bens móveis e imóveis não legalizados gerando prejuízos aos seus novos proprietários e uma constante dor de cabeça a custos elevadíssimos. Mas, não precisa ser assim, e isto já pode ser constantemente visto nas redes sociais e literatura especializada, é o já famoso planejamento sucessório! E o que é isso afinal?
Com a morte da pessoa natural, tem lugar a abertura da sucessão hereditária, com a composição do acervo hereditário, instrumentalizado pelo inventário, judicial ou extrajudicial, dos bens, direitos e das obrigações pela pessoa deixados, denominado de herança, aos respectivos herdeiros: (i) aos necessários, que fazem jus à “legítima”, parte da herança indisponível para terceiros; e (ii) aos testamentários, representados por aqueles ou por terceiros, da escolha do falecido), como bem disciplina o art. 1.784 do Código Civil: “Aberta a sucessão, a herança transmite-se, desde logo, aos herdeiros legítimos e testamentários”.
A sucessão hereditária pode ocorrer a título universal e a título singular. A sucessão a título universal ocorre quando todos os bens são transferidos em sua totalidade aos herdeiros. A sucessão a título singular ocorre quando é transmitido um único bem, como um automóvel por exemplo. As sucessões são divididas em três espécies: (i) sucessão testamentária: se dá quando uma pessoa deixa seus bens destinados a seus herdeiros, através de testamento válido; (ii) sucessão legítima: esta somente ocorre quando o falecido não deixa testamento, ou quando este perder sua validade ou quando for julgado nulo. Os bens são destinados em primeiro lugar aos herdeiros descendentes: filhos, netos e bisnetos concorrendo com o viúvo(a). Em segundo lugar são chamados os herdeiros da linha ascendente: pais, avós e bisavós concorrendo com o viúvo(a). Não havendo descendentes, nem ascendentes, a herança é transmitida ao cônjuge por inteiro. Se por acaso o falecido não tenha deixado descendentes, ascendentes, cônjuge, os bens são destinados aos herdeiros colaterais: irmãos, sobrinhos, tios. Caso não tenha descendentes, ascendentes e não fosse casado, mas tivesse em união estável; este concorrerá a herança juntamente com os herdeiros colaterais; (iii) sucessão simultânea: ocorre quando ao mesmo tempo se processam o inventário e partilha com sucessão testamentária e legítima. Essa sucessão se dá quando o autor da herança transmite metade de seus bens aos herdeiros necessários, através da sucessão legítima. A outra metade é transferida a terceiros como herdeiros ou legatários através da sucessão testamentária.
Para que os sucessores recebam seu patrimônio após a abertura da sucessão, seguem-se dois princípios básicos: (i) princípio de saisine: com abertura da sucessão, transmite a herança aos herdeiros legítimos, que podem defendê-la em sua totalidade; (ii) princípio da indivisibilidade: todos os bens que compõem a herança não poderão ser divididos até que o processo de inventário e partilha esteja terminado. Entende-se a herança como um todo, ainda que haja vários herdeiros. Desta forma até que se faça a partilha, não será dividida a herança e a administração seguirá as normas de condomínio.
Isto é, o acervo hereditário será de todos, administrado pelo inventariante enquanto o estado de indivisão permanecer.
Descontada a parte dos bens cabível ao cônjuge ou ao companheiro sobrevivente, considerada “meação”, nos casos de regimes de casamento ou de união estável, de comunhão total ou parcial de bens, o acervo de bens do de cujus inclui 2 partes idênticas (art. 1845 e 1784 do CC): a legítima, destinada aos herdeiros necessários, se houverem (ascendentes, descendentes e cônjuge ou companheiro, dependendo do regime de casamento ou de união estável) e a parte disponível, que pode ser objeto de testamento e de transferência para terceiros, da escolha do autor da herança, que não os herdeiros necessários, ou, ainda, podendo privilegiar um ou mais dos herdeiros necessários além da legítima que lhes caberia.
Na ausência de testamento, transmite-se aos herdeiros necessários, a parte da herança “disponível”, além da parte correspondente à “legítima”.
Particularizando a sucessão hereditária no caso de ações registra-se que as ações passam por um processo de inventário normal, sejam elas cotas de uma empresa, renda fixa ou qualquer outra. Para a distribuição das ações aos herdeiros, não é preciso vendê-las, pelo menos não necessariamente, podendo haver transferência de custódia para os herdeiros. Mas, o processo de inventário vai acontecer no momento da sua abertura, com a cotação da ação no momento da abertura do inventário, com todos os impostos daí decorrentes (ITCMD – seja na transferência de custódia, seja no valor de liquidação).
Neste prisma, a oscilação das ações (volatilidade) pode alterar o processo sucessório, pois ela ocorrerá no curso do procedimento de inventário, principalmente se for o judicial. Inclusive, se tiver o recebimento de dividendos, eles serão pagos normalmente e ficarão na conta de investimento do de cujus. Há discussões sobre o uso de um alvará para fazer a venda das ações, caso tenha uma oscilação muito grande. Há jurisprudência neste sentido. No entanto, isso não é a regra e, sim, uma exceção, devendo ser devidamente comprovado nos autos de um processo judicial.
O imposto que incide para a transferência das ações, para a vendas delas ou para a transferência da reserva financeira é o mesmo do inventário: ITCMD.
Vale ressaltar, aqui, que as ações que passam por um inventário ficam travadas ou bloqueadas. Este movimento não será feito desde que tenha sido feito um alvará expedido antes disso e que determine o fim da posição dessa ação. Mas os herdeiros não terão acesso a este valor. Todos e quaisquer outros impostos e outras despesas com a corretora, como imposto de renda, por exemplo, que incidem sobre as cotas, continuam normalmente. Não tem nenhuma desvantagem, mas também não tem nenhuma vantagem sobre isso.
Com a abertura do inventário judicial (art. 611 e segs. do CPC), que deve se dar em até 60 (sessenta) dias, processo burocrático, oneroso e de longa tramitação, é declarada aberta a sucessão da pessoa falecida, transmitindo-se, aos seus herdeiros, o direito de posse e administração dos respectivos bens, através da partilha deles, caso haja mais de um herdeiro.
Por outro lado, há a opção do inventário extrajudicial (Lei n° 11.441/07), a ser aberto no mesmo prazo, que tramita perante os Cartórios de Notas, sendo instrumentalizado com escritura pública de inventário, aplicando-se aos herdeiros, observando-se os ditames legais, dispostos a celebrar acordo sobre a partilha de bens do falecido, assessorados por advogado. A homologação da partilha exige o pagamento do ITCMD em qualquer dos casos.
Em ambos os casos, se o falecido tiver deixado testamento, ele deverá ser aberto e registrado em juízo, antes do início do inventário dos respectivos bens, como dispõe o art. 735 do CPC.
Para abertura do inventário será necessária toda a documentação acerca dos bens que compõe o acervo hereditário. Os bens imóveis são comprovados por meio de RGI, emitido dentro da validade legal, o documento sobre o veículo que comprove a propriedade do bem, devidamente registrado no DETRAN, dinheiro em conta bancária, com os devidos extratos, o mesmo ocorrendo com os investimentos em fundos ou ações.
Caso o herdeiro não tenha informação completa sobre os investimentos, o inventariante (a pessoa responsável pelo inventário) deverá entrar em contato com bancos, corretoras, entidades de previdência complementar, seguradoras e demais instituições financeiras nas quais o de cujus tenha tido contas ou investimentos para reportar o óbito.
Pelo fato de os dados financeiros serem sigilosos, são exigidos documentos como a certidão de óbito e o termo de inventariante, que diz que a pessoa escolhida é responsável pelo espólio, para comprovar a realização do inventário, para que sejam levantados os extratos bancários em cada instituição. Aqui, consigna-se, que se o inventário for extrajudicial uma primeira complicação pode se apresentar, tendo em vista que a nomeação de inventariante é feita toda em ato único.
Uma boa primeira fonte de consulta, é a última declaração de Imposto de Renda do de cujus. É possível que o inventariante levante dados ainda no Banco Central, no Detran, na Bolsa, em juntas comerciais e em cartórios de registro de imóveis para checar a existência de bens não declarados. Descoberto o montante e as aplicações financeiras, o próximo passo é a distribuição dos bens entre os herdeiros necessários (descendentes, ascendentes e, a depender do regime de casamento, o cônjuge).
É importante frisar que, enquanto o inventário não for concluído, os bens estarão congelados, sob custódia da instituição financeira, e os herdeiros não terão o direito de realizar movimentações. Concluído o inventário, o próximo passo é o registro da transferência de propriedade para quem de direito, sendo certo que nesta etapa, é gerado um documento a ser entregue nas instituições financeiras que permite aos herdeiros resgatarem as aplicações ou transferir a titularidade.
Caso o de cujus tenha ativos exclusivos de investidores qualificados (com aplicações financeiras acima de R$ 1 milhão) ou profissionais (investimentos acima de R$ 10 milhões) e os herdeiros não se enquadrem nesse perfil, os ativos deverão ser liquidados e transferidos.
Conforme o já salientado, todos os investimentos entram em inventário, com exceção da previdência privada, pois, feita com observância da lei, é considerada como herança e, por isso, seguem as regras que a pessoa determina no momento da contratação.
Outros instrumentos jurídicos estão disponíveis para antecipar essa transferência, como a doação, testamento ou a holding para transferir parte dos ativos para os herdeiros.
Vale ressaltar, aqui, que o processo de transferência de custódia de investimentos, trará sempre algumas particularidades. A transferência de custódia de investimentos financeiros envolve notificações específicas às instituições financeiras e corretoras responsáveis. Esse processo geralmente envolve a Solicitação de Transferência de Valores Mobiliários (STVM) para a instituição responsável pela administração dos ativos transferidos após o encerramento do inventário e a quitação do ITCMD devido à sucessão.
O planejamento sucessório é um processo que visa definir previamente a transferência de bens, direitos e responsabilidades de uma pessoa para seus herdeiros após sua morte. Em outras palavras, trata-se da organização do seu patrimônio e quem serão os sucessores que receberão ele quando determinado indivíduo falecer. Tal estratégia objetiva garantir a transmissão de bens, na forma que o indivíduo assim o conceber, respeitando-se, todavia, a legislação, diminuindo os conflitos e questões legais futuras. Por vezes, o planejamento sucessório é a única forma de garantir um equilíbrio na divisão dos bens, considerando os mais variados tipos de famílias que temos na atualidade.
Um planejamento sucessório pode abranger uma série de etapas, como:
- elaborar testamentos;
- designar procuradores;
- definir os representantes que irão cuidar da distribuição de cada ativo;
- pensar no pagamento de guias com um dinheiro reservado para isso;
- doar bens como antecipação de legítima;
- entre outros.
Nesse caso, é importante ressaltar que essa organização deve acontecer com antecedência, não apenas enquanto você está vivo, mas também enquanto possui saúde física e mental, posto que tal prova será exigida para diversos atos de disposição antecipada de vontade, como em testamentos.
O planejamento sucessório é, sobretudo, importante para que o indivíduo expresse seus desejos em relação aos seus bens materiais, evitando disputas que possam dividir a família. Sem conflitos pelo patrimônio, as liberações ocorrem com menor burocracia, assegurando a proteção financeira das pessoas que você ama. Com isso, evitam-se ameaças externas, bloqueios ou outros elementos que interfiram nos ativos de uma família.
Em alguns casos, o planejamento sucessório pode minimizar os impactos quanto à herança e transferência de bens, otimizando a carga tributária ou conhecendo alternativas que sejam isentas, como seguros de vida.
Esse processo também é especialmente importante para empresários, que também têm confiança na manutenção dos negócios e evita impactos nas atividades e na transição de gestão.
Mas não é só, pois através deste processo é possível avaliar suas posses com segurança, tendo uma visão clara não apenas dos valores, mas obrigações fiscais que acompanham cada bem. Com base nesse planejamento, poderão ser simplificadas as rotinas de inventário após a morte do indivíduo, ou mesmo evitá-las, diminuindo as burocracias para a sua família com algumas estratégias de testamento e sucessão.
Depois de conhecer a variedade de tipos de soluções de equalização possíveis de serem utilizadas em um planejamento sucessório, o primeiro passo é escolher a modalidade que se deseja quer utilizar. Em seguida, é importante analisar, conversar com os herdeiros e sua família sobre o assunto. O tema pode ser problemático, mas não recomendamos o sigilo, salvo em situações muito pontuais.
Existem diversas questões em torno da sucessão, financeiras e de relações familiares, por isso, é indicado alinhar expectativas futuras e deixar todos por dentro do que vai acontecer após o óbito. Como vimos, o planejamento sucessório pode contemplar diversos aspectos, e cada caso terá exigências específicas. Tudo dependerá do tipo de planejamento que se deseja fazer, se é pontual ou se vai mexer em toda a estrutura da vida da pessoa e de sua família. Por isso, INDIPENSÁVEL é a possibilidade de reversão da decisão, pois as condições de vida podem mudar com o passar do tempo. Se isso acontecer, flexibilidade é essencial, para que não se acabe refém de uma decisão tomada em tempo pretérito.
Na verdade, todas as formas que vimos podem ser complementares em um processo de sucessão. Ou seja, alguém pode doar um imóvel em vida e deixar um testamento que trate sobre outros bens ou somente sobre a tutela dos filhos. Assim como quem tem um trust ou uma offshore pode fazer uma previdência privada ou seguro para facilitar a vida dos herdeiros, que terão gastos com inventário. No planejamento sucessório, o principal é procurar contemplar todas as variáveis envolvidas, ou a maior parte delas, por isso um profissional experiente (advogado, ou não) é essencial.

Andre Baiseredo
Advogado, Professor e Escritor. Sócio do Escritório Baiseredo, Corrêa & Figueiredo Advogados Associados. Diretor Jurídico do CEMOI. Diretor Jurídico do CBRHOI. Presidente da Comissão de Direitos Fundamentais da OAB Maricá, Vice-Presidente da Comissão de Bioética e Biodireito da OAB Barra da Tijuca e Membro do GT de Bioética do CREMERJ. Professor da Associação Brasileira de Ouvidores – Seção Rio de Janeiro, Professor de Especialização e Cursos Técnicos e Congressista.