Cozinha Criativa ensina o aproveitamento integral dos alimentos

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Vinícius Manhães

Em um mundo repleto de dicotomias, uma delas chama muita atenção, principalmente num país que, até pouco tempo, figurava no mapa da fome da ONU: ao mesmo tempo que lutamos por sustentabilidade, segurança alimentar e alimentação saudável, também vivemos sob a cultura do desperdício e dos junk foods (alimentos ultraprocessados, com baixo valor nutricional). Por isso, criar iniciativas para ensinar o aproveitamento integral dos alimentos é fundamental, pois esta prática vai muito além de evitar o desperdício. Ela representa uma mudança de paradigma na forma como nos relacionamos com o que comemos, impactando positivamente o meio ambiente, a economia doméstica e a saúde da nossa sociedade.

Aqui em Maricá, o projeto Cozinha Criativa oferece um curso voltado para essa forma responsável de se relacionar com o alimento e de fazer uma culinária mais sustentável. Idealizada pela Prefeitura de Maricá, através da Secretaria de Agricultura e Pecuária, em parceria com a Associação para Gestão e Políticas Públicas (AGPP), a iniciativa nasce com o propósito de ensinar as pessoas a usarem todas as partes dos alimentos, transformando cascas, talos, folhas e sementes em receitas criativas, nutritivas e muito saborosas.

O chef Léo Rocha, responsável pela parte teórica e prática do curso, explica como funciona o curso e a importância de saber utilizar os alimentos integralmente:

“O curso, além de conscientizar os alunos sobre o aproveitamento integral dos alimentos, realiza uma capacitação na área de empreendedorismo. Trabalhar com aproveitamento integral dos alimentos é um desafio muito grande, principalmente quando o foco são alimentos origem não animal. Estamos acostumados a criar receitas com muitos ingredientes de origem animal, como leite, ovos, queijo, manteiga, carnes, entre outros. Então, quando não utilizamos esses ingredientes, precisamos ter muita criatividade e conhecimento das técnicas gastronômicas para o preparo das receitas. Quando falamos de aproveitamento integral, a gente quer dizer que vamos utilizar tudo que aquele alimento oferece, como casca, talo, folhas e sementes, ou seja, tudo aquilo que, habitualmente, é jogado fora, nós utilizamos como ingrediente. O aluno aprende, aqui no curso, muitas técnicas culinárias que vão permitir que ele crie uma infinidade de receitas, desde doces, sobremesas, pães, bolos, entradas, até pratos principais quentes e carnes veganas. Para você ter uma ideia, podemos criar uma bebida vegetal a partir da semente do melão, que se assemelha muito com o leite; fazer um escalopinho de casca de melancia, e muito mais.”, explica o chef Léo Rocha.

O chef também destaca a alta demanda do mercado por profissionais especializados neste tipo de preparo, ressaltando a busca crescente das pessoas por uma alimentação mais saudável.

“Hoje em dia, aumentou muito a quantidade de pessoas que não comem carne e têm uma alimentação vegetariana ou vegana. Mas o público não é só esse, porque as pessoas, de modo geral, estão mais preocupadas com a qualidade da sua alimentação e buscam por receitas mais saudáveis e nutritivas. Quando a gente aproveita todo o alimento, entregamos isso, pois as cascas e talos são as partes mais nutritivas dos alimentos”, destaca o chef Léo Rocha.

O viés social e econômico do projeto fica ainda mais evidenciado com a fala do coordenador do projeto Cozinha Criativa, Diego Costa, que ressalta o comprometimento do poder público municipal na criação de oportunidades para a população aprender um ofício e empreender.

“O objetivo do curso oferecido aqui é conscientizar a população sobre a utilização integral dos alimentos e todo o aspecto sustentável deste processo. Além disso, trabalhamos na formação de empreendedores, com foco no mercado de trabalho, para os alunos poderem sair daqui capacitados para tocar seus próprios negócios, fazer uma renda extra e, também, trabalhar em buffets e restaurantes.  Os alunos do curso aprendem na prática o trabalho, porque os colocamos para produzir os buffets de eventos realizados pelos órgãos públicos da cidade”, salienta Diego.

Diego explica que existe uma parceria com supermercados da cidade, que doam os alimentos fora de padrão para venda e que seriam descartados, para a Cozinha Criativa. Além dessas doações, o projeto também recebe os alimentos orgânicos produzidos nas plantações e hortas públicas da cidade, numa parceria com a Cooperar.

“Quando esses alimentos chegam aqui, eles passam por uma triagem, com nossa equipe de nutricionistas. Neste processo de triagem, os alimentos são selecionados e etiquetados com prazo de validade e tudo mais que a norma da vigilância sanitária exige”, explica Diego.

O aluno Felipe Ferreira, que já trabalha como pizzaiolo, fala que veio morar em Maricá após ficar sabendo do curso e para buscar oportunidades de trabalho aqui.

“O chef Léo é um amigo e comentou comigo sobre este curso. Então, eu resolvi me inscrever e aproveitei a oportunidade para vir morar em Maricá. O curso é excelente e vai abrir muitas possibilidades na minha profissão. Só tenho a agradecer a Deus e aos gestores da cidade por darem tantas oportunidades de qualificação e estudo, gratuitamente, aqui”, fala Felipe.

Benefícios que Vão Além do Prato

O aproveitamento integral dos alimentos traz diversos benefícios sociais, incluindo a redução do desperdício, o aumento do valor nutricional das refeições e a promoção da segurança alimentar e da sustentabilidade. Além disso, contribui para a economia familiar e para a conscientização sobre a importância de uma alimentação mais saudável e equilibrada. 

Ao utilizar partes do alimento que geralmente são descartadas, evita-se o desperdício e a geração de resíduos, contribuindo para a preservação do meio ambiente. Essa prática contribui para a redução do volume de resíduos orgânicos descartados em aterros sanitários, diminuindo a emissão de gases de efeito estufa. Além disso, ao utilizar todas as partes do alimento, reduz-se a demanda por novos produtos, impactando positivamente os recursos naturais envolvidos na produção agrícola.

Do ponto de vista econômico, ao utilizar integralmente os alimentos, é possível criar novas receitas e refeições, prolongando a vida útil dos produtos e diminuindo a necessidade de novas compras.

Além disso, essa prática pode tornar a alimentação mais acessível e garantir que mais pessoas tenham acesso a alimentos nutritivos, combatendo a insegurança alimentar. 

Para a saúde, significa uma dieta mais nutritiva, pois muitas das partes descartadas, como cascas e talos, são ricas em fibras, vitaminas e minerais que contribuem para o bom funcionamento do organismo e para a prevenção de diversas doenças.

Principais pontos sobre o desperdício de alimentos no Brasil:

  • Perdas financeiras:

O desperdício de alimentos no Brasil gera perdas de R$ 61,3 bilhões anualmente. 

  • Desperdício por pessoa:

Cada brasileiro joga fora, em média, mais de 41 quilos de comida por ano. 

  • Desperdício na produção:

Cerca de 30% dos alimentos produzidos no Brasil são descartados, de acordo com dados da ONU.