Por Elaine Nunes
Dona de uma das vozes mais marcantes e encantadoras de Maricá, Jovelina da Silva Borges Correa, é uma das cantoras mais famosas da cidade. Carioca de Santa Teresa, trabalhou como doméstica, babá e diarista até se tornar recepcionista da Dataprev, onde ficou 40 anos, sempre alcançando degraus mais altos. Sua função principal era o serviço público, mas a música sempre esteve em sua vida e, aos poucos, foi tomando um espaço cada vez maior.
Atualmente com 60 anos, Jô Borges, como é conhecida, é casada há 40 com Aldo Correa, seu companheiro de vida e de arte, com quem tem dois filhos, a Thaís e o André Luiz, além de três netos e duas bisnetas.

Integrante do projeto “Sob o Céu, Sob o Sol de Maricá” desde o início – que hoje leva o nome de “Pratas da Casa”, sua presença forte e marcante faz dela uma figura presente nos programas de rádio e televisão de Maricá e grande Rio, assim como nos grandes eventos.
Em sua trajetória musical, há apresentações em casas de shows. Entre elas: Mofo da Lapa, Circo Voador, Leviano Bar, Rio Scenarium, Capadócia, Itaipuaçu Samba, Casa do Caçula, Samba Brasil Espraiado, Bar do Zeca Pagodinho e Camarote Favela.

Simpática, humilde e talentosíssima, já dividiu o palco com grandes representantes do samba e da MPB, como Elymar Santos, Bebeto, Alcione, Xandy de Pilares, Lecy Brandão, Grupo Arruda, Toninho Gerais e o saudoso Claudinho Guimarães.
Quem a vê sempre sorridente, não imagina que sua história seja marcada por muita luta e a famosa volta por cima, que a gente sempre torce para ver na vida de quem ama. “Meus pais nunca brigaram. Quando ele foi embora, eu tinha 3 anos. Ele saiu dizendo que ia comprar cigarro e nunca mais voltou. Foi um trauma, porque eu era muito apegada a ele”, conta.
Pequena, sonhava em ser aeromoça, mas após uma fase difícil na infância, precisou de acompanhamento psicológico e a profissional orientou sua mãe de que deveria ajudá-la a escolher outra profissão, por ser negra e pobre. Isso lhe causou grandes incertezas sobre o futuro. “O marido da minha prima abusou de mim. Ele me alisava e ameaçava. Quando minha mãe soube, mandou eles saírem da nossa casa e me levou ao médico. Eu estava bem fisicamente, mas meu psicológico estava em frangalhos. Tinha problema com toque. Na verdade, foi um pacote de coisas que juntou na minha vida. O abuso, a separação dos meus pais, o bullying na escola por conta da minha magreza. A cabeça da adolescente foi um turbilhão. A terapia que me ajudou nisso”, explica.
Aos 14 anos, Jô participou do Festival Estudantil da Canção. Saiu vitoriosa e deu início à sua carreira musical. Em paralelo, participava de competições de atletismo. Aos 19, decidiu fazer direito, para ser juíza. Só que na época, teve a oportunidade de participar do Festival de Samba de Quadra do “Vai Quem Quer”, no Catumbi, onde foi convidada a fazer um teste para uma banda.
“O Aldo era o guitarrista. Estava separado, tinha dois filhos. Passado uns seis meses, a gente acabou se encontrando e eu adotei os dois. A Thaís com 3 anos e o André com três meses. Eu nunca contei essa história, porque eles não aceitavam. As pessoas olham diferente para madrastas. Mas eles sempre souberam que são filhos do meu coração, e para eles, eu é que sou a mãe”, revela Jô, que recebeu as crianças da mãe biológica e começou a escrever ao lado delas uma nova história, realizando assim, o sonho de ser mãe.
Já casada, matriculou-se no Curso Profissionalizante de Modelo e Manequim do Senac, onde foi selecionada por um olheiro e convidada a participar do Miss Estado Rio de Janeiro. Ficou em 4º lugar, mas realizou um sonho de infância. “Eu acreditava que nunca seria miss, por ser preta, pobre, ter cabelo ruim e não ter olhos verdes nem azuis”, diz.
Jô Borges iniciou a faculdade de direito, mas precisou trancar a matrícula quando descobriu o câncer de seu pai. “Eu sempre fui a estrutura da família, então parei para cuidar do meu pai, da minha madrasta que ficou doente também e da minha filha que estava com gravidez de risco. Tinha dias que eu saía de um hospital para o outro. Até cogitei em voltar quando começou o Passaporte Universitário, mas acabei não voltando. A música estava se fazendo cada vez mais presente na minha vida. Eu entendi que ela me realizava. Quando eu estou no palco, me sinto inteira, despida, aberta para o universo”, frisa.
Maricaense de coração, mudou-se para Itaipuaçu em 2003. “Morávamos no Catumbi e lá estava muito perigoso. Vi conhecidos virando bandidos, morrendo com granada na mão, e um dia, passou um traçante na frente do para-brisas do carro do Aldo. Nós já tínhamos conseguido comprar nosso apartamento, mas eu falei que íamos mudar e comecei a procurar uma casa. Foi quando uma amiga me perguntou porque eu não ia para Itaipuaçu. Eu nunca tinha ouvido falar desse lugar”, esclarece Jô, que começou a embalar suas coisas e passou a visitar o local.
“Eu fiquei apaixonada. Encontramos uma casa pequena no São Bento, onde moramos dois anos. Ao todo, foram 10 vivendo de aluguel, até conseguirmos comprar nossa casa. Minha mãe acabou vindo morar com a gente e aqui ela se foi por insuficiência cardiorespiratória. A música estava estacionada, até que fomos nos apresentar num galpão, ajudando os comerciantes e apresentando nosso trabalho. Tocávamos aos sábados, sem lucro algum. Ali que o Quaquá e a Zeidan nos viram. Um belo dia, ela veio me dizer que ia sempre porque o Diego queria me ver cantar. Ele tinha uns 8 anos. Eu ri, porque cantava muita seresta, mas comecei a inserir canções mais modernas no repertório. E assim, nosso trabalho foi crescendo”, esclarece.
Seu indiscutível e admirável talento a levou a conquistar inúmeras premiações. Entre elas: o Prêmio Maysa, Selo de Qualidade Cultural – Destaque 2009”; 1º lugar na III, IV e na V Fest Premium, em 2007, 2008 e 2009; Prêmio Rosa Negra – categoria cantora (FEMNEGRAS); Comenda Domício da Gama (GAM); 1º lugar como intérprete no XVI Festival Nacional de Voz e Violão de Maricá em 2014; título de Cidadã Maricaense em 2015; moção de louvor e reconhecimento pelo Dia Internacional da Mulher Negra Latino- Americana e Caribenha (UNEGRO) e Moção de Congratulações e Aplausos pelo dia da “Mulher Maricaense”.
Durante o MariCarnaval 2014, Jô colocou literalmente o bloco na rua, com seu “Bloco da Diva”, o primeiro trio elétrico puxado por uma mulher, que sai tradicionalmente no último dia da folia e arrasta multidões.
Em 2017, lançou seu primeiro CD, “Jô Borges Por Inteira”, assinado por grandes nomes do samba, como Marquinho Pqd, Tiee, Macau, André Renato, Ronaldo Barcelos, Beto Correa, Carlos Colla e Sereno. Em 2018, coordenou o encontro anual do “Movimento Mulheres na Roda de Samba”, que visa o fortalecimento do protagonismo da mulher sambista.
Em 2019, participou de um dos programas de maior audiência da Rede Globo, o “The Voice Brasil”, após mais de 20 anos de inscrições, mas nenhum jurado virou sua cadeira para ela. No entanto foi um sonho realizado e, durante a festa da Padroeira de Maricá, a cantora pode reencontrar Michel Teló, que além de rasgar elogios sobre sua participação no programa, a convidou para cantar com ele o dueto “Eu só Quero Um Xodó”.
Recentemente, Jô realizou um sonho antigo, com o show “Todos os Tons da Marrom”, onde homenageou os 50 anos de carreira da cantora Alcione, uma de suas grandes referências.





