Dona Nilza: a artesã que deu cor e vida à tapeçaria de Madeleine e Concessa Colaço

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Foto: Vinícius Manhães

Dona Nilza é uma senhora de 82 anos, que carrega em suas mãos a memória e o legado de duas artistas que colocaram a tapeçaria brasileira como expoente de beleza, criatividade e técnica no mundo da arte: Madeleine Colaço e Concessa Colaço.


A história tecida entre dona Nilza e a família Colaço começa em Maricá, no início dos anos 60, em meio a toda tranquilidade e esplendor da natureza do Espraiado. Lá, na grande fazenda da família Colaço, aconteceria o encontro que mudaria por completo a vida de Nilza.

Dona Nilza, em 1962, era uma jovem de 19 anos que vivia no bucólico bairro do Silvado. Ela ainda não sabia, mas era dona de um dom que iria descobrir tão logo pegasse a agulha e as linhas coloridas de lã para bordar. Curiosa para conhecer a tão falada tapeçaria produzida por Madeleine e Concessa Colaço (mãe e filha), Nilza recorreu a uma prima, chamada Euclídea, que bordava para Madeleine Colaço, para conhecer o trabalho feito pelas artistas e aprender a fazer os bordados nos tapetes desenhados pelas Colaço. Rapidamente ela aprendeu a técnica e também começou a trabalhar na produção das peças, se destacando por conseguir atingir o nível alto de exigência das artistas, sempre seguindo as orientações de cores de forma perfeita.

Com seu trabalho meticuloso, Nilza ganhou a confiança de Madeleine e Concessa e passou a coordenar um grupo de bordadeiras tapeceiras, que ela mesmo tinha ajudado a formar.

“Eu sempre gostei muito de ensinar aquilo que sei. Quando aprendi a fazer os pontos dos bordados nas tapeçarias da Madeleine, sempre acertando nos tons de cores orientados por ela, eu juntei um monte de amigas numa casinha que eu tinha aqui no Silvado e ensinei a técnica para todas elas. Montamos um grande grupo de mulheres tapeceiras e eu, depois de ganhar a confiança da dona Madeleine, coordenava o trabalho das meninas, para que fizessem exatamente aquilo que ela tinha imaginado”, relembra dona Nilza.

“Quem criava os desenhos e definia as cores era ela e Concessa. Um dia fiquei surpreendida pelo convite que ela fez para eu ir morar no Espraiado e coordenar as bordadeiras de lá. Dona Madeleine me dizia que eu era a única que conseguia fazer os bordados com as exatas cores que ela tinha imaginado para os tapetes”, conta orgulhosa. 

Muito apegada à sua mãe e família, Nilza nunca deixou de viver no Silvado, mesmo com a insistência de Madeleine e Concessa para ir morar na Fazenda em que viviam, no Espraiado, e dirigir o trabalho das tapeceiras de lá.

“Muitas vezes eu atravessei esse morro aqui a pé, até o Espraiado, para buscar a tapeçaria para bordar. Era uma travessia de quase duas horas”, conta dona Nilza.

Depois de um tempo trabalhando com Madeleine, Nilza foi bordar as tapeçarias de Concessa Colaço e com ela ficou até, aproximadamente, o ano de 2003. O reconhecimento e carinho de Concessa Colaço por dona Nilza pode ser visto em uma declaração escrita por ela num pedaço de tecido, que diz: “À Nilza, meu anjo da guarda e braço direito”.

As peças produzidas pelas tapeceiras de Maricá, coordenadas por dona Nilza, correram o mundo, em exposições em galerias de arte por toda a Europa. As obras retravam a diversidade e beleza da flora e fauna de Maricá, as tradições folclóricas, a arquitetura sacra barroca e as manifestações culturais populares.

Dona Nilza, que continua vivendo no Silvado, teve uma vida dedicada a produzir tapeçarias que marcaram um tempo na história da arte, sendo a mão que ajudava a dar vida às obras de Madeleine e Concessa Colaço. Por mais de 30 anos estiveram juntas na produção de uma obra de arte feita, de fato, por diversas mãos, num trabalho artístico coletivo, compartilhado, onde a imaginação das artistas encontrava, nas mãos das tapeceiras artesãs, as cores que dariam vida à uma tapeçaria revolucionária e livre, que conquistou o mundo da arte.

A tapeçaria de Madeleine e Concessa Colaço
Madeleine Colaço nasceu no Marrocos, em 1907 e viveu por muitos anos estudando tapeçaria na França. Chegou ao Brasil no início da década de 40, vindo viver numa fazenda no Espraiado, em Maricá. Lá, reinventou a maneira de se fazer tapeçaria, desvencilhando-se dos tradicionalismos das escolas europeias e se deixando levar pela cultura brasileira. A nova técnica de confecção de tapeçaria artesanal era criativa, colorida, viva, livre, a agulha poderia ir para qualquer lado, num desenho fluido, que seguia os ritmos do corpo, da música e da natureza ao redor.

A técnica criada por Madeleine Colaço e seguida por sua filha, Concessa, foi chamada no meio artístico de “Ponto Brasileiro”, elevando a tapeçaria à uma expressão artística de importante valor cultural. Reconhecido mundialmente, o “Ponto Brasileiro” foi registrado no Centre International de la Tapisserie, em Lausanne, na Suíça.

Madeleine Colaço foi além de uma artista importante na tapeçaria brasileira. Ela é uma artista cujo trabalho ultrapassa as barreiras do tempo. As suas tapeçarias, compostas por seda, lã, algodão e fios metálicos, conservam sua qualidade excepcional, mesmo após décadas. As obras não só refletem a essência do Brasil, como também a imaginação daqueles que as contemplam.

Concessa, filha de Thomaz Robeiro Colaço, um renomado advogado e poeta português, e Madeleine Colaço, herdou o dom da mãe para a arte da tapeçaria. No final dos anos 60, Concessa começou a trabalhar com tapeçaria, expandindo a oficina de sua mãe, no Espraiado. Ela também introduziu um novo ponto, o “ponto corrido”, inspirado nas tapeçarias do século XI, da Rainha Matilde da França. 

As suas criações têm grande prestígio tanto no cenário nacional quanto internacional, tendo sido adquiridas pela nobreza europeia, como a Rainha Fabiola da Bélgica, e celebridades mundiais, como a socialite Lourdes Catão, entre outras. As tapeçarias de Concessa Colaço também integram a decoração do Palácio da Alvorada, residência oficial do Presidente do Brasil, além de estarem expostas em diversas galerias de arte mundo à fora.