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A vida e a obra de Conceição Evaristo

Ninguém melhor para representar todos os negros no mês da consciência negra do que Conceição Evaristo. Nascida em Belo Horizonte, veio para o Rio de Janeiro em busca de uma vida melhor e escolheu Maricá para viver atualmente. Nessa entrevista, ela contou como eram os tempos que morava na favela, sua trajetória nas salas de aula e de suas obras que como ela mesmo diz são histórias que poderiam ser perfeitamente dela, mas que contam a história do negro, da busca da ancestralidade.

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Infância na favela

Nascida em 29 de novembro de 1946, passou a infância numa favela localizada na zona sul da capital mineira em um barraco apertado, compartilhando o mesmo espaço com nove irmãos. Filha de uma lavadeira,  matinha um diário onde anotava as dificuldades de um cotidiano sofrido. Até que um dia foram obrigados a se mudar devido a obras do governo estadual. ” Não nasci rodeada de livros, mas de palavras, através da literatura oral. Ouvia muitas histórias dos escravos que meu tio contava”, comentou Conceição que cresceu rodeada por palavras.

Desde criança, ela sabia o que queria da vida. Ela conta que é de uma geração onde não havia televisão, nem rádio e a leitura foi a maneira que encontrou para adquirir conhecimento. “Quando tinha entre 12 e 13 anos fui estudar em um colégio de aplicação, tinha normalmente, uns 43 alunos na turma sendo apenas dois negros. Eu queria entender o porquê daquilo acontecer”, relembra.

O contato maior com os livros se deu, quando uma de suas tias foi trabalhar na casa de uma diretora da Biblioteca Pública de Belo Horizonte. “A partir daí ganhei uma biblioteca, estava sempre lá. A leitura foi conduzindo para a escrita. Ganhava sempre o concurso de redação na escola”, disse.

 

Formação e experiências

Aos 25 anos , Conceição Evaristo terminou o curso Normal.  Ela conta que queria muito dar aulas em Belo Horizonte, mas que sempre encontrou resistência por parte das pessoas em geral que tinham forte influência na cidade. “Minha mãe trabalhou como doméstica em casas de políticos e escritores,  e era assim que eles nos viam. Havia sempre uma relação de subalternos. Achavam que servíamos apenas para isso”, comentou.

Ainda segundo ela, para poder sobreviver trabalhou como empregada doméstica por um tempo, até que um dia ficou sabendo que haveria concurso na cidade do Rio de Janeiro.  Se inscreveu para o concurso e foi aprovada.  “Vim para o Rio de Janeiro com a esperança de ter uma vida um pouco melhor. Morei na Lapa, em Niterói, na Glória, em Santa Tereza, Tijuca, Catumbi, Rio Comprido e Morro do Estácio onde conheci meu marido e tive uma filha”, conta.

Sobre o período em que morou na cidade do Rio de Janeiro, Conceição lembra que foram sempre lugares populares e que nunca fez questão de morar em bairros mais nobres. “Me sentia a vontade, sempre morando de aluguel em casas bem modestas”, disse.

Já concursada, fez o curso de Letras na Universidade Federal do Rio de Janeiro.É Mestre em Literatura Brasileira pela PUC-Rio, e Doutora em Literatura Comparada pela Universidade Federal Fluminense. De acordo com Conceição, enquanto fazia o curso de graduação, acabou engravidando e precisou trancar. “Quando a minha filha cresceu um pouco mais, pude retornar e terminar o curso. Quando ela estava com nove anos,fiquei viúva”,disse.

Conceição Evaristo conta que sempre trabalhou em escolas de periferia. Trabalhou no Bairro de Fátima, em Niterói, e em Ciep com alunos que moravam em favelas. Para ela, a educação é o ponto de partida para tudo. Ensinar, foi a maneira de devolver a vida tudo o que alcançou.”Foram anos que agora eu olho para trás e agradeço a vida, pois era um sonho que sempre tive desde criança. Raras vezes tive problema por onde passei, sempre tive boa influência marcada pela postura que tinha e sempre soube o que dizer. Minha carreira me deixa feliz”, afirmou.

A vinda para Maricá aconteceu de maneira inesperada. Na época, ela que morava no Rio Comprido, mas o local estava muito violento e a vontade de sair da cidade do Rio de Janeiro já era muito grande. “Sempre estava em Saquarema, mas como não tinha carro, ficava muito longe para ir com minha filha. Um dia fui convidada para um evento no bairro Zacarias e acabei dormindo na casa de uma amiga. Ao amanhecer, vi a lagoa e fiquei encantada e disse que iria morar por aqui. No início vinha mais nos finais de semana e em dois meses acabei vindo de vez para Maricá com minha filha. Atualmente moro em Divinéia, de frente para a lagoa, um lugar tranquilo que minha filha gosta e se sente bem”, comentou.

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Obras publicadas

Publicou seu primeiro poema em 1990, no décimo terceiro volume dos Cadernos Negros, editado pelo grupo Quilombhoje, de São Paulo. Desde então, publicou diversos poemas e contos nos Cadernos, além de uma coletânea de poemas e dois romances, Ponciá Vicêncio (2003) e Becos da Memória (2006). Na poesia lançou o livro Poemas da recordação e outros movimentos (2008). Ela também lançou os livros de contos Insubmissas lágrimas de mulheres de 2011 publicado pela editora Nandyala; Olhos d`água  lançado pela editora Pallas em 2014 e  Histórias de Leves Enganos e Parecenças, da Editora Malê no ano de 2016. Além de participações em antologias.

Conceição teve também algumas obras publicadas em outros idiomas, L’histoire de Poncia, traduzido por Paula Anacaona e Banzo, Mémoires de la favela, traduzido por Paula Anacaona. Segundo a escritora, as vezes é preciso que as obras sejam publicadas fora do Brasil para serem valorizadas. Suas obras abordam questões como o racismo brasileiro e a condição de ser mulher e negra no país. Conceição tem diferentes obras publicadas e premiadas no exterior.  A escritora traz em sua literatura profundas reflexões acerca das questões de raça e de gênero, com o objetivo claro de revelar a desigualdade velada na sociedade, de recuperar uma memória sofrida da população afro-brasileira em toda sua riqueza e sua potencialidade de ação. É uma mulher que tem cuidado de abrir espaços para outras mulheres negras se apresentarem no mundo da literatura. “Em Becos da Memória, por exemplo, trato de memórias ficcionais, a história de uma menina que quer ser escritora e tem um pouco das histórias da minha mãe e das minhas tias”, explica.

Algumas dessas obras foram escolhidas como bibliografia obrigatória durante algum tempo em provas de vestibulares como da Universidade Federal de Minas Gerais, CEFET/MG, Universidade Estadual de Londrina e de algumas universidades particulares também.

Participação em congressos e premiações

Recentemente ela participou de uma mesa de debates na Feira Literária de Paraty, ao lado da escritora Ana Maria Gonçalves. Elas conversaram sobre diversos assuntos como literatura feita por negros, indígenas e mulheres. Celebrada pelo público, Conceição Evaristo falou sobre sua obra, seu processo criativo, sua história de vida e questões como racismo, machismo, preconceito contra autores negros e a importância da união de forças para derrotar esses ainda tão presentes na sociedade brasileira.

Comentou também da importância de escritoras negras em ocupar mais espaços de visibilidade e para ela, essa conquista resulta de uma força coletiva, especialmente das mulheres. Comentou a forma como os negros são retratados na literatura – de “maneira rasa” – e sobre como as mulheres negras não possuem “fecundidade” nos livros.“Quando o negro se sente representado em um festival, quebra o estereótipo de que negro não lê de que não comparece a eventos literários”, relatou.

Em 1995,enquanto fazia mestrado foi convidada para participar do Festival de Cultura de Viena que prestava uma homenagem ao Brasil ” Estavam presentes o João Ubaldo Ribeiro, Marina Colassanti e alguns outros artistas negros. Na época, eu tinha um trabalho publicado em Alemão.Quando retornamos ao Brasil, não tivemos destaque, o que é muito ruim para um país como o Brasil que possui uma ancestralidade negra tão forte”, lamenta. Em 2009 foi a Moçambique, participar do Festival de Arte Negra no Senegal, foi a São Tomé e Príncipe e professora convidada nos Estados Unidos. “É preciso ter uma obra publicada fora do país para assim sermos valorizados”, disse.

Conceição ganhou o prêmio da Revista Cláudia na categoria Cultura e conta que passou por uma situação um pouco constrangedora com outra concorrente. “Uma concorrente veio me perguntar se eu cantava ou dançava. Como negra não poderia fazer outra coisa para concorrer na categoria?”, disse.

Para ela, hoje o movimento negro, ou é muito ingênuo ou prefere não enxergar dizendo que não há discriminação. “Quanto mais pessoas falarem, quanto mais a sociedade perceber, por exemplo, que a questão racial no Brasil não é problema para o negro resolver e sim para a nação brasileira resolver, mais sinceros seremos nas buscas pelas soluções”, finalizou.

Exposição em São Paulo

Entre maio e junho deste ano, ficou em cartaz no Itaú Cultural, em São Paulo, a mostra Ocupação Conceição Evaristo, sobre a obra da autora.  Ela também já teve participações em antologias internacionais: Alemanha, Schwarze prosa e Schwarze poesie (1993); Inglaterra, Moving beyond boundaries: international dimension of black women’s writing (1995) Women righting – Afro-brazilian Women’s Short Fiction, 2005, Estados Unidos, nas obras Finally Us: contemporary black brazilian women writers (1995); Callaloo, vol. 18 e 30 (1995, 2008),  Fourteen female voices from Brazil (2002), África  do Sul Chimurenga People (2007)  Angola, Como se o mar fosse mentira (2006). E em eventos internacionais, como: 7th Internacional Caribbean Women Writers and Scholars, Maygüez, Porto Rico; X Feira Internacional do Livro em Havana, Cuba; Congresso de Escritoras Brasileiras, New York; Congresso da LASA, San Francisco, Dia Internacional da Mulher, Maputo, Moçambique, e Pretoria, África do Sul, Festival Mundial de Arte Negra, FESMAN.;  Dakar, Senegal; Dia da Língua Portuguesa, São Tomé e Príncipe e do 35º Salão do Livro, Paris.

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Texto: José Jorge Junior

Edição: Carine Monnerat

Fotos: Paulo Polônio

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