O karatê é uma das artes marciais mais praticadas no mundo, conhecido por ensinar muito mais do que golpes e defesas. Ele molda o caráter, exige disciplina e forma atletas que carregam no corpo e na mente a filosofia da superação. No Brasil, essa tradição milenar vem encontrando novos talentos em projetos sociais e escolas públicas.
É nesse cenário que surge a história de Andressa Pereira da Silva, uma jovem atleta de Maricá, de apenas 12 anos, que já integra a seleção brasileira de karatê. Estudante do 7º ano da rede pública municipal de Maricá (RJ), Andressa conheceu o karatê aos oito anos de idade. Na Escola Maurício Antunes de Carvalho, no bairro Boqueirão, a menina observava com admiração as aulas de karatê ministradas pela professora Renata Rocha. Movida por vontade própria, decidiu iniciar sua jornada na arte marcial.

“Desde pequenininha ela já assistia às minhas aulas e demonstrava interesse. Quando entrou, percebi o brilho nos olhos dela. A partir dali, comecei a trabalhar o karatê como estilo de vida para ela”, conta Renata Rocha, 32 anos, profissional de Educação Física, faixa preta e também fruto de um projeto social.
No início, as aulas foram lúdicas, como é comum para crianças pequenas, mas, aos poucos, a disciplina foi sendo introduzida de forma mais intensa. Com o apoio dos pais, Andressa se dedicou aos treinos e desenvolveu suas habilidades.
A trajetória de Andressa não seria possível sem o esforço da família, que se desdobra para mantê-la no esporte. Sua mãe, Maria Aparecida Pereira da Silva, de 40 anos, trabalha com serviços gerais, e o pai é pedreiro. Juntos, enfrentam os altos custos com inscrições, viagens, alimentação, entre outros, para que a filha possa competir.
“Ela tentou judô, mas não gostou. O karatê ela ama. É uma paixão. A gente trabalha muito, sem folga, de domingo a domingo, para manter esse sonho. Às vezes temos ajuda, outras vezes não, mas fazemos o que for preciso. Ela já está adaptada à rotina, não é sacrifício. Ela leva muito a sério. O karatê trouxe maturidade, disciplina e responsabilidade”, afirma Maria Aparecida.
Com treinos diários e uma rotina intensa, Andressa foi conquistando espaço nas competições. Durante a pandemia da Covid-19, enfrentou dificuldades de acesso às aulas online, mas não desistiu. Nos dois anos seguintes, participou de diversos campeonatos estaduais, nacionais e internacionais. Foi vice-campeã internacional e conquistou o título de campeã brasileira em quatro categorias na modalidade sub-12: duas medalhas de ouro no kata e duas no kumite.

A preparação para a seleção brasileira começou com dois anos de antecedência. A professora Renata montou uma rotina de treinos, alimentação, horários de sono e foco, para que Andressa estivesse pronta para a seletiva nacional.
“Trabalhei com ela com foco e disciplina. Era preciso moldar não só o corpo, mas também a mente. Quando ela foi para a seletiva da Confederação Brasileira de Karatê (CBK), já estava pronta. E ela conseguiu”, comemora Renata, que acompanha a atleta nas viagens.
“Abro mão de muita coisa pessoal para acompanhar essas crianças, porque acredito nelas”, declara a professora, emocionada.

Hoje, Andressa treina com bolsa integral com a professora Renata Rocha na Academia de Lutas Samurai, na Rua Vereador Luiz Antônio da Cunha, 295, no centro de Maricá. Divide seus dias entre os estudos e a arte marcial: estuda de manhã, treina à tarde e retorna aos treinos à noite. Nos fins de semana, se permite brincar com os amigos e jogar vôlei, tudo dentro de uma rotina organizada.

“A disciplina do karatê me ajudou bastante na minha vida. Espero continuar, ser faixa preta e, um dia, ganhar um campeonato mundial”, diz Andressa, já sonhando com o futuro.
Segundo a professora, o desempenho escolar é acompanhado de perto:
“Os responsáveis me enviam boletins. Quem tem nota baixa é advertido e deixa de competir até recuperar as notas. O esporte não pode atrapalhar os estudos. Pelo contrário, ele deve somar.”
Renata Rocha, que começou a dar aulas de karatê aos 19 anos, defende que todas as escolas deveriam oferecer alguma arte marcial:
“O esporte resgata vidas. Eu sou prova disso. Participei de um projeto social e fui a única da minha turma a virar faixa preta. Era indisciplinada e encontrei no karatê meu caminho. Hoje, repasso isso para minhas alunas. Falo para elas: ‘vão duvidar de vocês, mas eu acredito. Vocês também têm que acreditar’.”

Apesar das conquistas, os desafios continuam. A CBK cobre parte dos custos da seleção, mas muitos outros gastos recaem sobre as famílias. Rifas, vaquinhas online e ajuda de amigos fazem parte da realidade desses atletas. Ainda assim, o sonho segue firme.
O karatê ajuda na formação de valores. Por trás dos movimentos precisos e da força física, existe uma filosofia que ensina equilíbrio, respeito e superação. A palavra “karatê”, que significa “mãos vazias”, simboliza a prática sem armas e destaca que o poder do praticante está na disciplina, no autocontrole e na sabedoria diante dos desafios, ensinando que a vitória não está em derrotar um oponente, mas em evitar o confronto.
É essa filosofia que molda a vida de Andressa e de tantos outros jovens que encontram no tatame um objetivo de vida.
Para Renata Rocha, esse caminho tem um nome: amor.
“Posso definir o karatê com uma só palavra: amor. Me dedico demais, estudo, me esforço para entender cada aluno. Cada pai que abraça o esporte junto comigo é parte da minha família Rocha. Mesmo quem não tem dinheiro ajuda com alimentação, carona, o que puder. Sonho um dia em oferecer tudo isso de forma gratuita. E eu tenho fé que vai acontecer”, finaliza a professora.
A história de Andressa mostra que, com apoio, disciplina e amor, crianças podem alcançar os lugares com que sonham e que toda conquista começa com uma oportunidade.



